Por Charles Agostini – Oficial de Justiça do TRT da 15ª Região
Considero-me especialmente afortunado por estar vivendo esta época de tantas transformações sociais e tecnológicas. Meus antepassados levaram a vida toda para vivenciar alterações em seu mundo que eu pude observar em semanas. É como se estivesse viajando em uma máquina do tempo supersônica, olhando pela janela e vendo as mudanças na história. Assim, há pouco estávamos fazendo curso de datilografia para buscar um emprego, e alguns dias depois, usando um computador portátil. Trabalhei em um torno mecânico, mão na graxa, oficina suja e barulhenta; pouco depois estava no ar condicionado programando o torno controlado por computador, com mais conforto e melhor salário.
A evolução tem sido a regra, tanto na natureza quanto na economia e no mundo empresarial aquele que não se adapta aos novos tempos, que não evolui, se extingue. Conheci telefonistas em empresas, operando central telefônica de pegas, hoje foram substituídas por discagem direta a ramal; também conheci desenhistas copistas, que passavam o dia na prancheta. Aqueles que aprenderam a utilizar programas de CAD mantiveram seus empregos e até passaram a ganhar mais, enquanto os que não evoluíram foram embora.
Vi fordismo, taylorismo, CQC, Kambam, QT, Zero defect, 5S, Just in time, e tantos outros métodos administrativos de gerenciar a produção nas empresas que chegava a ficar assustado com a necessidade de aprender, de me reinventar, de evoluir para não ser tragado pelas inovações.
A evolução (ou revolução) tecnológica também vem ocorrendo no serviço público, no judiciário trabalhista da 15ª. Quando aqui comecei, em uma Junta de Conciliação e Julgamento, havia dois microcomputadores na secretaria, um para notificações, outro para todo o resto. As atas de audiências e as sentenças ainda eram datilografadas… Hoje sistemas de informática controlam a auxiliam uma maior produtividade. Novas ferramentas foram implantadas e trabalhos antes morosos, maçantes, hoje são feitos num piscar de olhos pelo computador, pela impressora. Essa evolução é um pouco mais lenta do que se observa na iniciativa privada, mas é constante, sem possibilidade de retrocesso. Não adianta reclamar do sistema de acompanhamento processual informatizado com saudades do kardex, que esse não volta mais…
Alguns bravos guerreiros ainda resistem a essas inovações, alguns lutando contra elas tal qual Quixote e seus moinhos de vento. Mas talvez seja hora de mudar, de parar de lutar contra a corrente, e surfar nela. Explico.
Há quinze anos, quando iniciei no Oficialato, recebia semanalmente vários Mandados de penhora em contas bancárias de devedores. Alguns com agência e conta identificada, outros com a determinação de ir a todas as agências da cidade (havia apenas oito agências, então era possível). E lá ia eu bater de porta em porta, perguntar se fulano tinha conta, e se nela tinha dinheiro. Horas caminhando ao sol, espera de atendimento, discussão com funcionário na ausência do gerente, dificuldades mil, e de vez em quando conseguia apreender dinheiro e pagar uma ou outra execução. Era comum o sujeito ter empresa numa cidade e domicílio bancário em outra, se livrando da penhora. Veio o convênio de bloqueio bancário, nunca mais fiz penhora em banco. Mas as penhoras continuaram a ser feitas, sei lá por quem, Juiz, Diretor, Assistente, mas não por mim. Antes só eu fazia penhora, agora tem outro fazendo em meu lugar.
Da mesma forma era comum pegar mandado de citação e penhora, ia ao devedor, citava e se não pagasse nem garantisse a execução, penhora nele. Começaram a citar o devedor através da intimação de seu advogado pela Imprensa Oficial, e não fiz mais citação, eis que agora tem outro fazendo em meu lugar.
E foi mais além. Vez em quando ia à Ciretran pesquisar se havia algum veículo no nome do devedor e de posse da informação positiva, penhora nele. Agora o Mandado vem só para avaliar o veículo, que já foi penhorado (ou bloqueado, como queiram, dá no mesmo). Como não fui eu quem penhorou, alguém fez em meu lugar.
E virá mais, muito mais. A cada novidade tiram algum serviço de mim, e passam para outro. Até quando? Até não restar mais nenhum trabalho para eu fazer? Mas e aí, que farei eu, Oficial de Justiça?
Em alguns lugares essa pergunta já está sendo respondida; há vários Oficiais atendendo balcão, batendo carimbo, juntando petições, fazendo serviços mecânicos de pouca complexidade, pois os seus trabalhos agora são feitos por outros…
Quando essas novidades começaram ouvi alguns dizerem que não queriam essas “novas” atribuições. Eles não entendiam que não eram novas atribuições, mas as antigas, com um jeito novo, nome novo, cara nova, mas a mesma essência das velhas.
O que difere uma penhora bancária como as que fazíamos, com exibição do Mandado, Auto lavrado, nomeação do gerente como depositário, determinação da transferência para o banco oficial, e o método atual, em que se entra na conta do sujeito pela via eletrônica, faz o bloqueio e determina a transferência? A diferença é que antes tinha que ir de agência em agência, e só na minha cidade, e agora o bloqueio pode ocorrer em qualquer conta que o devedor tenha no território nacional. Menos trabalho e mais efetividade. E eu que fazia penhora bancária agora não tenho acesso ao sistema com minha senha própria para fazer o bloqueio. Por quê?
Eu não quero ser extinto, não quero ver minha função, meu cargo, minha profissão confinada aos livros de história. Eu quero continuar sendo Oficial de Justiça Avaliador Federal, e quero que minha profissão continue a existir e a ser respeitada muito depois que eu me for…
Para isso preciso evoluir e estar preparado para enfrentar os novos desafios que a evolução da minha profissão já trouxe, e que certamente trará mais ainda.
Esse texto foi escrito há alguns anos, e reeditado há 5 anos em algumas Assojafs. À época ainda nem pensava no PJE. Vejam quanta mudança em meros 5 anos, do processo em papel para o PJE.
Alguém ainda duvida de que temos que redefinir nosso papel dentro do Poder Judiciário?